Minhas mãos tocaram o livro surrado. As páginas já não pertenciam mais à encadernação, pendiam uma a uma da capa preta. Agradeci a moça da biblioteca, o leitor que havia feito o reserva esquecera de pegar a obra. Logo ela estava em meus dedos. Já fazia alguns meses que ansiava para ler o volume. Finalmente, perdi a vergonha e fui em busca. Era, o livro, muito requisitado. O título é famoso, “O Apanhador no Campo de Centeio”, de Jerome Salinger.
O livro narra as impressões do adolescente Holden Caulfield sobre a escola e a fuga para Nova York. È uma obra interessante, repleta de reflexões sobre pessoas, atitudes e a própria vida.
Não são as ações narradas por Salinger que me interessam. Sim as de outro escritor, cuja letra, marcada a lápis nas páginas, exprimia-se entre as vogais e as consoantes da prensa. Imagino que o leitor apaixonado pela narrativa, que se achou no direito de rabiscar as partes que gostava com comentários desinteressantes e nada criativos. Numa outra oportunidade aquela atitude teria me irritado. Mas enquanto lia as páginas, senti-me intrigada. Naquele momento era eu quem estava de posse da obra, mas quantas vezes não passou por outras mãos? Quantos não teriam lido a ponto de estragar a encadernação, de as folhas estarem começando a sair. Não era mais a capar original que envolvia o volume.
Naquele momento, naquela leitura não eram as palavras de Salinger que me lembravam a transitoriedade da vida. Eram as frases que me guiavam a leitura, a mão invisível que se estendia para mim, como se abrindo uma porta, conhecendo um pouco daquele estranho que tinha o mesmo gosto que eu. Foi numa busca para conhecer uma obra que me deparei com um estranho revelando a mim suas preferências.
Será que é tão errado marcar em nossos livros (não as da biblioteca, que fique claro), rabiscar as partes que gostamos? Talvez com esta atitude, nos tornemos mais íntimos de desconhecidos de que de velhos amigos, mesmo que revelando anonimamente segredos, sentimentos do momento. Em nossa passagem tão curta porque não assinalar em uma obra nossas impressões, gostos. Mesmo que nunca sejamos escritores, mas que se tornem públicas nossas visões sobre o mundo.